Mesmo após o fim da CPMF, contribuição criada em 1996 e que foi fonte arrecadadora da União até 2007, alguns contribuintes ainda sofrem com passivo tributário decorrente desse tributo. De fato, os débitos tributários de CPMF somente poderiam ser regularizados mediante pagamento, sendo vedado o exercício de parcelamento, ordinário ou excepcionais. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e os Tribunais Regionais Federais negavam qualquer pretensão do contribuinte em parcelar débitos de CPMF, sob o forte argumento de que o art. 15 da Lei n. 9.311/96 (lei instituidora da CPMF) vedava expressamente tal pretensão.
Tivemos a oportunidade de testar novamente o Judiciário, dessa vez com novos argumentos, além daqueles que foram utilizados outrora. No caso específico, uma empresa do interior de Minas Gerais, que tem como objeto social a industrialização e a comercialização de produtos e subprodutos siderúrgicos e metalúrgicos, pertencente a um dos setores do mercado que mais foi atingido pela crise mundial recentemente vivenciada, aderiu a todas as modalidades de parcelamento do denominado “Refis da Crise”, instituído pela Lei n. 11.941/09. Indubitavelmente, após a crise, a empresa viu no parcelamento excepcional uma forma de sanar o passivo tributário involuntariamente constituído. A partir de então, passou a cumprir todas as formalidades impostas pelo parcelamento excepcional.
Ocorre, no entanto, que a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) negou, com base no art. 15 da Lei n. 9.311/96, a inclusão do débito de CPMF no parcelamento. Impetramos Mandado de Segurança anotando, primeiramente, que o art. 90 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que prorrogava a da CPMF no cenário nacional, assim como a lei instituidora do tributo tiveram sobrevida até 31/12/2007. A partir daí, pudemos sustentar que o art. 90 do ADCT e necessariamente a Lei n. 9.311/96 são normas de eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada. Noutros termos, a partir de janeiro de 2008, as normas da Lei n. 9.311/96, dentre elas, o artigo 15, que vedava o parcelamento de débitos de CPMF, não produzem efeitos, “por isso encontram-se dissipadas ou desvanecidas, esgotando, assim, sua aplicabilidade.” (BULOS, Uadi Lamêgo. Curso de Direito Constitucional, Ed. Saraiva, 2007, p. 358 e ss.)
Logo, com advento da Lei n. 11.941/09, tendo em vista a inexistência de previsão legal vedando o parcelamento de CPMF, pelo contrário, autorizando o parcelamento de débitos para com a Fazenda Nacional vencidos até 30/11/2008 sem qualquer distinção, o direito de parcelar é incontestável. Afinal, a Lei da CPMF não produz mais efeitos e a Lei do Parcelamento Excepcional não fez nenhuma restrição de parcelamento do tributo.
De mais a mais, sustentamos que a legalidade estrita tributária não afastava o direito de parcelar débitos de CPMF, de acordo com a Lei n. 11.941/09. Dessa forma, princípio basilar do direito é de que se a lei não veda, autorizado está o contribuinte a fazer o que pretende (princípio da legalidade, positivado, para fins tributários, no art. 150, I da Constituição).
Caso não se admitisse o argumento de que a Lei da CPMF está com eficácia exaurida e aplicabilidade esgotada, conforme assinalado, teríamos um verdadeiro confronto normativo. Isso porque, de um lado, a Lei da CPMF veda o parcelamento do tributo; de outro lado, a Lei n. 11.941/09 não fez nenhuma restrição específica para fins de parcelamento da CPMF.
Mesmo assim, o direito de parcelar não seria afastado. Isso porque exsurge a necessidade de solucionar antinomia
jurídica. Nesse diapasão, valendo da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, antiga Lei de
Introdução ao Código Civil, sustentamos que: (i) lei posterior sobrepõe lei anterior
(Lex posterior derogat legi priori). Logo, a Lei do Refis IV deveria prevalecer sobre a Lei da CPMF, uma vez que a primeira foi promulgada em 2009, ao passo que a segunda foi criada em 1996; (ii) lei específica deve prevalecer sobre lei geral. Assim, como a Lei n. 11.941/09 é específica para tratar de parcelamento tributário, diferentemente do que ocorre com a Lei da CPMF, e como a contribuinte pretendia parcelar, não poderíamos olvidar que o direito estava ao seu lado.
Diante desse contexto, o MM. Juiz Federal da 22a Vara de Belo Horizonte, Dr. Carlos Roberto de Carvalho, em decisão inovadora, entendeu por bem conceder a liminar pleiteada pela contribuinte, determinando a inclusão do débito decorrente da CPMF no parcelamento da Lei n. 11.941/09 e que fosse expedida Certidão Positiva com Efeito Negativa de Débito sempre que solicitado, salvo na existência de outra pendência para com a Fazenda Nacional. O magistrado anotou na decisão que o legislador ordinário, ao instituir a Lei n. 11.941/09, não quis excluir os débitos da CPMF do parcelamento, pois, se assim pretendesse, o faria de
forma expressa. Ademais, salientou que visualizava prejuízo somente à contribuinte, caso o parcelamento não fosse autorizado, sendo certo que a União conseguiria arrecadar o tributo, até mesmo de forma menos onerosa, ou seja, sem ter que se valer do processo de execução fiscal.
De fato, trata-se de matéria nova a ser discutida no âmbito jurisdicional, sendo incontroverso que a decisão liminar apontada é paradigmática. Verifiquemos os próximos casos e acompanhemos a formação jurisprudencial da matéria, sobretudo após a apresentação desses novos fundamentos, uma vez que, até aqui, o direito de parcelar débito de CPMF é algo distante dos contribuintes brasileiros.
João Paulo Fanucchi de Almeida Melo
Mestre em Direito Público. Especialista em Direito Tributário. Associado efetivo do IAMG. Professor. Advogado.